Thursday, May 29, 2014

Pr'essa moça de interior perdida na cidade grande, inventei uma chuva forte e uma rua sem alagamento. Imagem como a infância. Quando todo mundo saía de casa e corria e dançava e brincava pela rua. Pés descalços. A calha que vira chuveiro. Corrida até o fim da ladeira.

Friday, May 02, 2014

Disse que queria ficar sozinha, e nunca mais voltou. Cabelos ondulantes de despedida, um rastro no ar. Passos duros no assoalho. E a trilha de perfume até a porta.

Monday, April 01, 2013

Paris não existe mais

Você me roubou Paris. A cidade não existe mais sem corridas descalças, em plena madrugada, pelos vários pavilhões da Cité U. Sem dança em cima do mapa ou do canteiro na entrada, enquanto passam dois chineses desavisados que vão ficar só até o fim do verão. Você roubou um cenário dos meus futuros possíveis romances. Como a gente faz, se não houver uma cozinha com gente do mundo inteiro? Um preparando sanduíche. O outro, ensopado de peixe com camarão.

Como faz sem manhãs onde aquele casal - o francês e a espanhola - ocupam a mesa inteira com camembert e saucisson sec? Sem picnics nos dias de sol. Sem invadir jardins reais, sem cinema en plein air. Paris não existe se você não ficar na rua até tarde, tentando descobrir um jeito de voltar pra casa, porque o RER já fechou. Sem um amigo que vá passear pelo quartier chinois no XIIIème com uma camiseta de Mao Tsé-tung censurado, sem nem se ligar.

Uma Paris onde você compra mil cervejas pra trocar o dinheiro de recarregar a carte Navigo. E pega o trem bebendo sem parar. Uma Paris menos Paris, da banlieue, onde um cara pode até pedir um pedaço do seu kinder bueno. Uma Paris onde você ajuda um alemão e um indiano a chegarem ao seu destino, porque eles não falam francês e acham muito complicado se orientar no metrô.

Uma Paris como lua de mel. Uma com manhãs preguiçosas, tardes de (re)descoberta e festas com música brasileira ruim. Uma de fumo mal enrolado, de muitos cigarros, de vinho como se fosse água. Uma Paris que comporte um estudante de química que goste de Julio Iglesias, queira ser perito forense e more na Maison du Cambodge - porque, afinal, coerência é a gente quem inventa.

Paris. Essa cidade vibrante, maravilhosa, que não existe mais.

Tuesday, February 26, 2013

Quatro versos e se foi

Suspeitava que ela fosse assim
[mesmo]
bonita e breve
como um haikai.

Agradecimento

"Devo muito
aos que não amo.

(...)
Não espero por eles
andando da janela à porta.
Paciente
quase como um relógio de sol,
entendo o que o amor não entende,
perdoo
o que o amor não perdoa."

Wislawa Szymborska

Thursday, February 21, 2013

Olhou para o passado com carinho e para o futuro com expectativa, mas agarrou o agora com força, com as duas mãos. Não à toa chamou-lhe presente.

Monday, January 14, 2013

O fim

Um dia você vai chegar com os olhos tristes e um sorriso de adeus. Vai tocar meu rosto com doçura - mas se ela sobrará no gesto, faltará nas palavras. Jogaremos fora uma vida de planos para escrever uma nova. Uma na qual os dias não começam entre beijos. Uma sem a sua ajuda com as compras do mercado. Sem histórias na hora da janta, sem risada antes de deitar. 

E aí eu vou lembrar do quanto gostava de perambular por aí sozinha, conversando com gente desconhecida em bancos de praça ou sentada no metrô. Você vai voltar pras noites sem começo e sem fim. Eu vou pra cama com um cara que acabei de conhecer. Você vai administrar três garotas num fim de semana. Eu vou dançar nua pela casa. Você vai ouvir música deitado no tapete da sala. Vamos cozinhar sozinhos no meio da noite de terça, porque já passam das 22h e estamos famintos. Você vai fazer um sanduíche com requeijão e mortadela. Vou improvisar um risoto de camarão.

As segundas serão os dias mais solitários. Os homens bonitos vão deixar de ser arquitetura. As mulheres mais ou menos de repente dão pro gasto. A gente vai se perder em outras bocas, outros gostos, outros corpos. Vamos aprender novos encaixes dentre o repertório que tínhamos antes um do outro. Vai ser um marco assim: antes e depois.

Mas enquanto você dorme ao meu lado, nada disso importa. Tiro uma mecha de cabelo da sua testa, lhe faço carinho na cabeça. Mal começamos, menino. Deita a cabeça no meu ombro e vem ser comigo o melhor que pudermos, sem noia e sem fim até onde der. Que coisa, um fim. Só inventei esse aqui pra não nos preocuparmos com ele (o nosso). "A gente pode durar um ano, três meses ou a vida inteira. Pra mim, já valeu".

Tuesday, December 11, 2012

A garota mais bonita


Ela é a garota mais bonita do mundo, mas sequer suspeita. Não são os cabelos cacheados na altura do ombro, a pele morena ou mesmo os olhos que parecem sempre sorrir. É a cor favorita de céu - aquele misto de verde, rosa, laranja e roxo do lusco-fusco. É a dança descalça, vestidinho de botão. Camiseta velha e calcinha pra dormir. Brigadeiro em plena madrugada. O jeito de fazer amor.